toxicidade nanoformas nanotubos carbono

Analisamos o exemplo dos nanotubos de carbono de múltiplas paredes

De uma forma ampla, é possível dizer que não existem substâncias químicas que não apresentem toxicidade, ou melhor, não existem substâncias químicas que não apresentem efeitos lesivos aos sistemas biológicos. Sempre será necessário avaliar o tipo de efeito produzido, a dose para produzir este efeito, as características e as propriedades da substância e, ainda, informações sobre a exposição.

Este é um resumo de alguns princípios que regem as análises de toxicidade. Elas são compostas por um conjunto de ensaios normatizados, regularmente executados no contexto de registro de novas substâncias e medicamentos, por exemplo.

Com o surgimento e o avanço da nanotecnologia, questões referentes à segurança e aos riscos destes novos materiais foram sendo levantadas. Assim, investigações acerca dos efeitos adversos das nanoformas para a saúde humana e para outros organismos são realizadas há mais de 15 anos.:

As nanoformas, anteriormente chamadas de nanopartículas, apresentariam efeitos adversos específicos? O tamanho, a sua escala nanométrica, causaria efeitos não conhecidos, traçando um novo paradigma dentro da toxicologia? Seu comportamento seria mais afim à toxicologia de fibras e partículas ou de substâncias químicas moleculares?

Estas foram perguntas-chave que conduziram diversas pesquisas na área.

E hoje, o que se sabe? Como as nanoformas interagem com os sistemas biológicos?

Em uma resposta bastante direta e resumida: depende. Esta relação vai depender das características e propriedades dos dois elementos desta equação. O tamanho, a área superficial, a polaridade, a presença de impurezas, por exemplo, são propriedades importantes relativas às nanoformas. Então, apesar de questionado anteriormente, não apenas o tamanho determina a interação, ou apresenta maior importância do que outra propriedade. Do outro lado, o tipo de célula, a composição de membrana e o meio são também pontos importantes que determinarão a forma de interação. Em alguns casos, as nanoformas se aglomeram no meio e não ficam disponíveis para os organismos. Ou, devido à polaridade dos dois elementos, eles são repelidos, ou o contrário. Enfim, a complexidade deste ambiente e dos elementos determina esta relação, assim como para qualquer outra substância.

Os efeitos desta interação na célula, no tecido ou organismo, podem ser medidos de diversas formas, e é a partir destes resultados que é possível determinar se uma substância/material apresenta ou não efeito tóxico. O efeito tóxico refere-se à relação entre a severidade e a intensidade do dano/efeito causado, e a classificação depende de comparações (com limites definidos ou amostras controle, por exemplo).

No que tange à avaliação da toxicidade das nanoformas, com os avanços nas pesquisas, notou-se que o grande desafio está em compreender as relações entre as propriedades físico-químicas dos nano com sua toxicidade. Até o momento, existe grande incerteza, não sendo possível afirmar que, por exemplo, amostras de nanotubo de carbono de um mesmo diâmetro, comprimento e área superficial, apresentam o mesmo efeito durante uma avaliação de genotoxicidade. A dificuldade em agrupar/relacionar estas propriedades com efeitos dificulta a harmonização de dados e limita avanços nas regulamentações da área.

A toxicidade dos nanotubos de carbono – um estudo de caso

Uma avaliação completa da toxicidade de nanotubos de carbono de múltiplas paredes (MWCNT) foi recentemente foi publicada pela Agencia Europeia de Produtos Químicos (ECHA). O relatório foi elaborado pela agência alemã Baua e tem o objetivo de responder se uma substancia específica que teve o registro solicitado, neste caso, os nanotubos de carbono, apresenta risco à saúde humana ou ao meio ambiente. Aqui, colocamos os pontos principais abordados neste detalhado documento, a título de exemplo da situação atual da toxicologia das nanoformas. Vale lembrar que os nanotubos de carbono são um dos primeiros nanomateriais a terem sua produção escalada, tendo um aumento considerável nos volumes de produção no início do século XXI.

Tendo como base os dados entregues, o volume de produção deste nanomaterial varia entre 100 e 1000 toneladas por ano, sendo usado industrialmente como aditivos em materiais diversos, como borrachas, plásticos, cimento, vidro e metais. O uso em atividades de pesquisa e desenvolvimento também foi reportado.

O relatório tem como base os dossiês entregues pelas empresas produtoras de nanotubos de carbono para o registro na ECHA. Além de informações detalhadas de cada análise de toxicidade, dados das caracterizações físico-químicas do nanomaterial são descritos. Neste caso, os nanotubos de carbono de múltiplas paredes apresentavam diâmetro externo abaixo de 30nm (D90<=30nm) e comprimento menor do que 5µm.

Avaliações da toxicidade e ecotoxicidade dos nanotubos de carbono (MWCTN)

De acordo com o relatório, as principais preocupações acerca da toxicidade dos MWCNT se referem:

– ao amplo uso deste nanomaterial, inclusive pelo consumidor ;

– à discrepâncias na autoclassificação de risco entre os diferentes registrantes da (s);

– às diferenças nas propriedades físico-químicas que afetam a toxicidade, ou seja, o número de diferentes nanoformas registradas e a escolha do (s) material (is) de teste representativo (s);

– à suspeita de toxicidade para órgãos-alvo específicos após exposição repetida STOT-RE;

– à suspeita de carcinogenicidade;

– aos efeitos nos organismos ambientais;

– à suspeita de exposição ambiental;

– à suspeita de persistência;

– à exposição cumulativa.

Para elucidar estes pontos, diversos endpoints relacionados à avaliações de risco da saúde humana, como toxicocinética, carcinogenicidade, e ao meio ambiente foram avaliados. O relatório é dividido nestes tópicos, e a tabela abaixo sumariza as conclusões para cada avaliação:

tabela de toxicidade dos nanotubos de carbono nanoformas

Conclusões sobre a toxicidade e ecotoxicidade dos nanotubos de carbono (MWCTN)

É notável que a principal conclusão relatada refere-se à insuficiência de dados e da impossibilidade de cruzar os resultados apresentados, de agrupá-los, ou seja, de considerá-los representativos dos nanotubos de carbono de múltiplas paredes analisados. Não foi possível sanar todos os pontos inicialmente levantados. Ainda, a falta de informações (padrão), deficiências metodológicas, bem como esclarecimento insuficiente de perigos potenciais observado na falta de dados apresentados para alguns endpoints, foram recorrentes.

Apesar da falta ou inconsistência dos dados entregues pelos produtores dos MWCTN, muitas vezes, a literatura suportou a decisão dos avaliadores em não excluir o risco potencial – no caso da sensibilização respiratória e mutagenicidade, por exemplo. O risco potencial de exposição dos nanotubos ao solo, apesar de desconsiderado nos dossiês, também não pode ser excluído. De acordo com os avaliadores, a possibilidade da exposição aos nantubos causar efeitos carcinogênicos e na reprodução humana nçao pode ser descartada.

A exposição aos trabalhadores, consumidores e meio ambiente também foi avaliada. A informação disponível sobre a exposição do trabalhador nos dossiês indica que a exposição potencial é muito baixa para algumas das nanoformas, mas é, em termos gerais, insuficiente para concluir sobre a exposição resultante no local de trabalho para todas as nanoformas. Sobre os consumidores e exposição ambiental, também não foi possível concluir acerca dos riscos, já que, mais uma vez, informações insuficientes foram apresentadas.

O que sabemos sobre a toxicidade dos nanotubos de carbono

Através da análise de dados de nanotubos comerciais, entregues num contexto de registro de mercado, o relatório elaborado pela Baua, na visão na Nanos, permite identificar, na prática, os desafios e o status atual da área de nanotoxicologia, e de saúde e segurança em nano.

Os avanços são notáveis, algumas respostas às perguntas iniciais foram dadas, sabemos, no caso dos nanotubos de carbono, dos perigos de sua inalação, por exemplo. A sensibilização da pele também foi reportada como efeito identificado. Fato essencial para delinear sólidas ações de precaução à este tipo de exposição, principalmente no ambiente de trabalho. Sabemos que as nanoformas não apresentam risco maior que outra substância química por apresentar-se em uma dimensão nanométrica. Mas ainda não sabemos como as propriedades físico- química se relacionam com os efeitos, não sabemos medir vários efeitos, e não conseguimos ainda, agrupar e extrapolar conclusões sobre ensaios com nanoformas bastante semelhantes em termos de propriedades.

Neste ambiente de incertezas, o princípio da precaução deve guiar as ações de segurança. A análise caso a caso e o olhar dos especialistas na área, de quem trabalha e compreende os desafios da nanotecnologia e principalmente, da nanotoxicologia, serão essenciais para os passos seguintes e para garantir a minimização dos riscos da nanotecnologia.

Referências Bibliográficas

1 BAuA: Substance Evaluation Conclusion. 2020. Disponível em <https://echa.europa.eu/documents/10162/801e9ee1-1347-0072-44a5-b044510e79b5>


Este artigo foi escrito em 22/10/2020 por Camila de Oliveira Viana