Nos últimos anos o termo “Safety by Design” ou “Safe(r)-by-Design” (SbD) tem ganhado bastante atenção no universo da nanotecnologia, nacional e internacionalmente. No Brasil, ele é usado sem tradução, o que talvez contribua para o estranhamento e questionamentos sobre seu real significado.

Outro termo que está sendo a alguns anos, muito utilizado no contexto de nanoHSE, apesar de não estar tão popularizado, é a governança de risco em nano, ou, sem tradução “nano risk governance”.

Neste post estes termos serão definidos e refletidos à luz da situação atual da área se saúde, segurança e meio ambiente em nanotecnologia.

O que significa Safe-by-Design (SbD)?

 Safe-by-design é originalmente um conceito que foi desenvolvido e utilizado por engenheiros, especialmente aqueles que trabalham na indústria da construção. Ele é aplicado no contexto da incorporação de considerações de segurança no projeto, construção e manutenção de produtos de engenharia e locais de trabalho. A ideia básica refere-se à importância em considerar e incorporar considerações de segurança durante o desenvolvimento de produtos. O caminho do desenvolvimento dos nanoprodutos é essencialmente um caminho de inovação. Assim, o Safe-by-Design dentro da nanotecnologia refere-se à forma de abordagem, à como percorrer este caminho. A cadeia da inovação, da pesquisa e desenvolvimento de produtos inovadores é sempre um processo que passa por dúvidas, questionamentos e incertezas. O safe-by-design é sobre a inclusão de perguntas acerca da segurança ocupacional e ambiental durante este processo. Assim, o nanoproduto pode ser ‘desenhado’ considerando estes aspectos.

safe-by-design e governança de risco

Incertezas permeiam o processo de desenvolvimento dos nanoprodutos

Este é o princípio do termo, que não refere-se portanto a uma metodologia definida, ou a uma demanda legal. Na nanotecnologia, este termo surgiu inicialmente como um conceito importante nos projetos europeus NanoReg e ProSafe.

A prática ‘Safe-by-Design’ na nanotecnologia

Não existe, portanto receita para trazer esta abordagem de segurança aos processos da nanotecnologia. A execução desta prática está ancorada na visão da empresa que produz e manipula o nano, que pode escolher de forma proativa, tendo como base a visão de sustentabilidade e responsabilidade social e ambiental da empresa.

Pode parecer algo distante, mas, aqui no Brasil, aspectos desta abordagem são executados no âmbito da rotina de desenvolvimento de nanomateriais e nanoprodutos em alguns projetos dentro da Universidade. Nestes projetos, pesquisadores são dedicados ao cuidado dos processos de gestão de resíduos, monitoramento ambiental e ocupacional. Isto pode ser considerado um exemplo prático de uma abordagem ‘safe-by-design’.

Também nesta linha, a análise de ciclo de vida dos nanoprodutos é uma importante ferramenta que viabiliza compreender os impactos ambientais e à saúde humana associada a um produto, processo ou material ao longo de todo o seu ciclo de vida, desde a extração e processamento da matéria‐prima até o descarte final. A execução de ensaios de lixiviação, por exemplo, importantes para a compreensão do release dos nanomateriais em situações de uso, como uma lavagem, podem ser classificadas como parte de uma abordagem ‘safe-by-design’. No entanto, vale pontuar que estas ações devem ser processuais, não pontuais dentro do processo de desenvolvimento. A questão chave é a execução contínua desta abordagem, em paralelo e ao longo do desenvolvimento dos nanoprodutos.

Então, podemos dizer que a abordagem ‘safe-by-design’ na nanotecnologia é sobre fazer as perguntas certas nas passagens dos estágios de desenvolvimentos. E a entrega da segurança nestes processos perpassa estes estágios através da compreensão dos aspectos de risco dos procedimentos executados em cada estágio.

A governança de risco em nanotecnologia

A governança de risco é a arquitetura ou a estrutura em que a gestão dos riscos opera em uma organização.  Então, ela diz respeito à estruturação dos procedimentos que envolvem o mapeamento dos perigos, dos cenários de exposição e da priorização dos riscos.  Na nanotecnologia e em processos onde o grau de incertezas é alto, o princípio da precaução rege a tomada de decisão. Uma forma de estruturar tais ações é através do uso de ferramentas de gestão de risco, então, de forma estruturada, fazer a gestão destes riscos.

Existem hoje ferramentas diversas, desenvolvidas especificamente para analisar os riscos – ocupacionais e ambientais – dos processos da nanotecnologia. Alguns exemplos são as ferramentas SimpleBox4Nano, StoffenmanagerNano  e a GuideNano, mas existem diversas outras. O projeto europeu Calibrate Nano Risk Governance se debruçou sobre este tema e desenvolveu um portal para dar suporte na execução da governança de risco para pesquisadores e empresas que trabalham com nantecnologia.

Na visão da Nanos, a governança de risco pode ser executada de diversas formas, mas em princípio ela pode ser entendida como uma forma prática de executar uma abordagem Safe-by-Design. Em cada estágio de desenvolvimento do nanoproduto, análises de risco devem ser executadas, elas suportarão as decisões acerca do desenvolvimento e permitirão vislumbrar outros caminhos. É através deste levantamento, realizado em conjunto com os profissionais responsáveis pelo desenvolvimento do produto em si – então, neste contexto de trabalho cooperativo e multidisciplinar – que a área de saúde, segurança e meio ambiente, ou nanoHSE, vem suportar o desenvolvimento sustentável e seguro dos nanoprodutos. Desta forma, a compreensão clara dos riscos de procedimentos diversos pode ser transformada em oportunidades de melhoria – de desenvolvimento de novos processos de gestão de resíduos, da otimização do uso no nanomaterial numa matriz o que pode diminuir riscos potenciais de exposição para as pessoas (consumidores ou trabalhadores).

Neste viés, a governança dos riscos – através de ferramentas que viabilizem a identificação, avaliação, monitoramento e comunicação destes – executada neste caminho de desenvolvimento pode levar à processos e procedimentos mais seguros e sustentáveis, resultando, assim, em nanoprodutos safer-by-design.

Safe-by-design e governança de risco no contexto da regulamentação da nanotecnologia

De forma ampla, no contexto regulatório, a estrutura de avaliação de risco de produtos químicos é até hoje utilizada: “o uso da estrutura de avaliação de risco para nanomateriais foi um passo lógico, dado seu uso para produtos químicos.” (Best practices from nano-risk analysis relevant for other emerging technologies, 2019) . Assim, as ferramentas para análise de risco desenvolvidas para nanomateriais, normalmente, são modificações destas ferramentas já utilizadas para produtos químicos.

No entanto, diferentemente dos produtos químicos, a abordagem de risco no contexto de uma tecnologia inovadora e emergente, como a nanotecnologia, em um cenário de ainda muitas incertezas, e a compreensão das especificidades das nanoformas parece estar motivando a diferenciação dos processos de regulamentação.

Na União Europeia desde janeiro de 2020 existe um rito específico para o registro de nanomateriais. Informações específicas relativas aos riscos são solicitadas. No Brasil, existe um Programa de Certificação de Nanoprodutos em andamento no INMETRO.  Possivelmente, ele resultará em protocolos que darão suporte à diversas agências regulamentadoras nacionais. Ainda, o Ministério Público do Trabalho elaborou um Termo de Referência com recomendações sobre a inclusão de ferramentas de análise de risco para adequação de documentos de segurança do trabalho. Tudo isso são reflexos dos avanços na área de nanoHSE.

Num contexto de desenvolvimento, a governança de risco deve ser um processo dinâmico, permitindo respostas adaptativas à luz de novas informações. Independentemente da forma de estruturação ou da escolha das ferramentas, sua execução contínua através da cooperação e incorporação de perspectivas de todas as partes interessadas permite lidar de forma frontal com a incerteza do risco. Desta forma, novas informações sobre possibilidades de processos, usos, gestão de resíduos destes nanoprodutos apresentam-se e são consideradas na tomada de decisões, ainda durante o desenvolvimento.

Estas ações, hoje executadas proativamente no sentido do desenvolvimento responsável da nanotecnologia, fomentam a evolução do processo de regulamentação da nanotecnologia. A abordagem segura, safe by design, e a governança de risco em nano podem ser vistas, neste sentido, também como ferramentas interessantes no processo de regulamentação dos nanoprodutos.

Referências bibliográficas

2019, Best practices from nano-risk analysis relevant for other emerging technologies. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41565-019-0572-1

  1. TERMO DE REFERÊNCIA PRT3 / MPT NANOPARTÍCULAS / GESTÃO DE RISCOS.

2017,NANoREG framework for the safety assessment of nanomaterials. Disponível em: https://ec.europa.eu/jrc/en/publication/eur-scientific-and-technical-research-reports/nanoreg-framework-safety-assessment-nanomaterials

2017, Safe-by-Design: from Safety to Responsibility. Disponível em: 10.1007/s11569-017-0301-x

Recomendações e guias importantes na área de nanoHSE:

NIOSH: https://www.nano.gov/node/1164

EPA: https://www.epa.gov/tsca-screening-tools/interim-approaches-assessing-and-controlling-workplace-releases-and-exposures

WHO: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259671/9789241550048-eng.pdf?sequence=1

BAUA/NANOVALID: http://www.nanovalid.eu/nanoToGo/Brochure/Safe%20handling%20of%20nanomaterials%20and%20other%20advanced%20materials%20at%20workplaces_v1-0.pdf

CALIBRATE PROJECT: http://www.nanocalibrate.eu/tools