O grafeno está disponível no mercado já há alguns anos e sua produção atinge várias toneladas/ano em muitos produtores em todo o mundo. De acordo com o site Statista1, as empresas que lideram este mercado já apresentam uma capitalização de mercado de mais de um bilhão de dólares americanos.

Temos produtos no mercado contendo grafeno e existe expectativa e muito investimento no desenvolvimento de novos nanoprodutos contendo o nanomaterial, para diversas aplicações.

Ou seja, prevê-se que o grafeno seja ainda mais produzido e aplicado. No entanto, outros desenvolvimentos estão relacionados a este cenário quando pensamos nas implicações de saúde e segurança, e aspectos éticos, legais e sociais dessa área da tecnologia.

Este post vai abordar um destes aspectos: o monitoramento do ar desta nanoforma, uma atividade que a Nanos possui expertise. Esta pergunta “como monitorar grafeno no ar?” foi recorrente na nossa formação acadêmica. Por isto, compartilhamos um pouco aqui dos conhecimentos técnicos que permeiam este tipo de trabalho. Ao final, trazemos ainda a entrevista com a Stat Peel, uma empresa parceira da Nanos que atua também neste ramo.

Limites de Exposição Ocupacional de Nanomateriais

Devido à complexidade dos nanomateriais em termos de tamanho, área superficial, carga, composição, reatividade e outras propriedades, não foi possível estabelecer um Limite de Exposição Ocupacional — LEO com base na saúde. O LEO é um valor padrão abaixo do qual a maioria das pessoas expostas a ele não adoece ou apresenta mal-estar ocasionado pelo agente físico, químico ou biológico. Estes limites são definidos e regulados por agências governamentais de proteção do trabalhador, e são específicos para cada tipo de material/substância -por exemplo o LEO do grafite é igual a 2,5 mg/m³ (fração respirável/ NIOSH). Entretanto, conforme publicação da OSHA2, algumas organizações como o Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional dos Estados Unidos (NIOSH), o British Standard Institute, o Instituto da Sociedade Cooperativa Profissional da Segurança e Saúde Ocupacional da Alemanha (IFA) e a Organização Mundial da Saúde3 sugeriram LEOs provisórios para nanomateriais como nanotubos de carbono, dióxido de titânio, nanomateriais fibrosos, granulares, solúveis e outros. (Nesta publicação apresentamos um quadro comparativo com alguns dos valores propostos para nanomateriais de carbono.)

Dentre os limites sugeridos, observa-se que há variações nos valores devido à natureza da geração dos mesmos. Por isso, a recomendação da OSHA é de que os empregadores minimizem a exposição do trabalhador o tanto quanto possível, utilizando métodos controle de exposição apropriados.

Como detectar nanopartículas no ar?

A análise de exposição ao nanomaterial no ambiente de trabalho é complexa porque a avaliação das suas principais propriedades envolve a utilização de técnicas e equipamentos sofisticados, com limitações.

Para as medições de nanopartículas em suspensão, utilizam-se métodos de amostragem ativos ou passivos. Nos ativos, os métodos de medição podem ser online, onde as medições são realizadas em tempo real, fornecendo a concentração, o número de partículas, concentrações de superfície e de massa e características relacionadas ao tamanho ou propriedades ópticas de nanopartículas no ar. Entretanto, apesar desses aparelhos conseguirem analisar partículas de diferentes granulometrias, não distinguem a sua composição. Exemplos desses amostradores são:

  • contador óptico de partículas (OPC);
  • contador de partículas por condensação (CPC);
  • fotômetro de espalhamento de luz para aerossóis;
  • monitor de carbon black (BCM).

Também podem ser por métodos analíticos quantitativos off-line, onde ocorre a determinação quantitativa (por massa) e a identificação do tipo de nanomaterial, exigindo amostragem de longo prazo, através de outros equipamentos. A vantagem seria a possibilidade de analisar os filtros coletores de ar para determinar a composição e verificar a presença de nanopartículas no filtro. Porém, durante a análise dos filtros, existe o risco de não detectar várias partículas que podem ter depositado nos poros. Exemplos de análises utilizadas são:

  • análise gravimétrica;
  • análise elementar;
  • métodos por cromatografia líquida de alto desempenho;
  • espectroscopia Raman;
  • difração de raios-X.

Já nos métodos passivos, há a deposição natural das nanopartículas em diferentes substratos (grades TEM, sílica ou fitas de carbono) com o objetivo de visualizar sua presença por meio de um microscópio eletrônico. Apesar de identificar a nanopartícula, o método é caro, demorado e as incertezas relacionadas ao comportamento dessas partículas no ar dificultariam determinar o tempo ideal para sua deposição e sedimentação nesses substratos4,5.

Exemplos de equipamentos que podem ser utilizados em estratégias (ativas e passivas) de monitoramento de nanopartículas  no ar

O Apêndice R14-4 do “Guidance on information requirements and chemical safety assessment da ECHA (European Chemicals Agency) mostra as recomendações para estimar a exposição ocupacional à nanomateriais, abordando considerações sobre o background da concentração de nanomateriais de várias fontes no ambiente, as medições de distribuição de tamanho de partículas, as métricas e estratégias de medições, outros equipamentos que podem ser utilizados e outras considerações6.

Para analisar a exposição do trabalhador ao nanomaterial em questão, um profissional de saúde e segurança do trabalho deve avaliar os recursos disponíveis e tentar combinar métodos de amostragem e análise conforme as características do nanomaterial, do local de trabalho e dos processos envolvidos.

Monitorando grafeno em suspensão no ar

Como descrito acima, existem vários métodos analíticos que permitem a detecção de nanopartículas. Assim, a detecção de uma nanoforma específica se baseia em suas propriedades e características singulares. Sabemos que o material particulado em suspensão no ar é formado por diversos materiais e compostos químicos, assim, é através das especificidades da nanopartícula é que se faz possível distingui-la. Apenas dessa forma conseguimos encontrar esta ‘agulha no palheiro’.

Em relação ao grafeno, não é diferente: é através de suas propriedades que é possível detectá-lo no ar e monitorar sua exposição. Mas, sabemos também, que, nestes termos, “grafeno” é uma palavra genérica: existem vários grafenos. Por isso, o monitoramento do grafeno no ar não se dá como o monitoramento de um material particulado ‘convencional’. O sucesso na detecção dele, e de qualquer outro nanomaterial, se baseia no conhecimento de suas propriedades específicas, e é a partir delas que será desenvolvido e estruturado o sistema de monitoramento específico para cada ‘grafeno’ que compõe o cenário de exposição do ambiente de trabalho em estudo.

A Nanos possui expertise neste tipo de investigação6,7, sendo também parceira de uma empresa Suíça, a Stat Peel que há oito anos desenvolve e comercializa equipamentos para detecção de nanomateriais em suspensão no ar, incluindo nanocarbonos como o grafeno.

Para enriquecer um pouco mais este artigo, fizemos uma entrevista com o CEO da empresa, o Dr. Rudolf Bieri.

Entrevista com Rudolf Bieri, CEO da Stat Peel

1.Fale-nos um pouco sobre a Stat Peel e as motivações que nortearam a abertura da empresa a 8 anos atrás.

Crescendo em uma parte industrial da Suíça, logo me familiarizei com o impacto negativo da exposição ocupacional. Uma fábrica local de fibrocimento utilizou grandes quantidades de amianto, com um impacto devastador nos trabalhadores e na comunidade.

Trabalhando na indústria de equipamentos de semicondutores, percebi que o monitoramento da exposição a materiais tóxicos e transportados pelo ar é muito desafiador e que ferramentas fáceis de operar não estão disponíveis. Foi quando decidi iniciar a Stat Peel para desenvolver nosso sistema de monitoramento, o Identificador.

  1. Como funcionam os equipamentos da Stat Peel para monitoramento de emissões? Com base em qual princípio os equipamentos da Stat Peel detectam estes nanomateriais?

Nosso Identificador é como um “crachá” — leve, semelhante a um dosímetro, contém vários sensores e usa uma lâmina de filtração consumível. No decorrer da jornada de trabalho, uma pequena quantidade de ar é filtrada. No final do turno de trabalho, o “crachá” é inserido em um leitor de bancada que remove a lâmina e inspeciona as partículas coletadas automaticamente por meio da espectroscopia Raman. Os dados de exposição são armazenados e combinados a funcionários individuais. Relatórios abrangentes de exposição são gerados, os quais podem ser usados ​​para mostrar a conformidade com os limites de exposição recomendados para agências governamentais, seguradoras ou clientes.

O Identifier da Stat Peel recolhe as partículas suspensas no ar durante o turno de trabalho. A detecção ocorre posteriormente por espectroscopia Raman

  1. O tipo de amostragem que é realizado segue alguma norma? Existe obrigatoriedade para realização do monitoramento para algum tipo de empresa/material?

Nos países em que operamos, existe a Cláusula de Dever Geral, que exige que os empregadores forneçam a seus funcionários um local de trabalho livre de perigos reconhecidos que possam causar morte ou danos físicos graves. Esta cláusula é a base para qualquer atividade de monitoramento, mesmo que ainda não haja limites de exposição específicos de material em vigor.

As regras de amostragem específicas do país podem diferir substancialmente, entre amostragem pessoal e estacionária ou a duração da amostragem, por exemplo.

  1. Com que tipo de nanomaterial a maior parte dos clientes da Stat Peel trabalham? Em outras palavras, para qual tipo de nanopartículas existe mais busca, atualmente, por soluções de monitoramento de emissões?

Entre os clientes de material avançado, a maioria trabalha com materiais carbonosos, como nanotubos de carbono, grafeno ou negro de fumo (“carbon black”). Nosso Identificador também é usado para monitorar sílica cristalina respirável em indústrias de construção e mineração e outras indústrias onde materiais tóxicos são produzidos e manuseados.

A consciência de monitoramento entre quem trabalha com nanotubos de carbono é, claramente, a mais alta. A natureza fibrosa do material e os primeiros estudos de toxicidade certamente alertaram a todos na indústria.

  1. Já mencionamos algumas vezes nos posts da Nanos, o quão desafiador é a tarefa de detectar nanoformas no ambiente. Diga-nos qual o maior desafio, na sua visão, em monitorar uma emissão de grafeno no ar, em contraponto a outra emissão composta de carbono.

A espectroscopia Raman tem a vantagem de ser muito seletiva para o material de interesse. Isso também pode ser uma desvantagem quando o processo de produção do cliente não é estável, o que significa que muitas formas diferentes de um material podem estar presentes. Para resolver esse problema, temos que ajustar nosso software para ser capaz de considerar as informações espectrais dos materiais em desvio, tanto quanto possível.

  1. Na nossa percepção, a área de nanoEHS tem avançado notavelmente na Europa nestes últimos anos, com a publicação de regulamentações como a do Reach (xxx), por exemplo. Qual a sua percepção da área de nanoEHS e como isto impactou no trabalho da Stat Peel?

Por um lado, trouxe o tema “nano” com todas as suas vantagens e desvantagens para a vanguarda de qualquer pessoa envolvida ou que esteja pensando em se envolver com tais materiais. Por outro lado, a percepção negativa e a carga regulatória retardaram a implementação de novos materiais em muitas indústrias na Europa. Portanto, a Stat Peel deve ser ativa em mercados estrangeiros, onde a adoção de materiais é mais avançada.

  1. Qual o maior benefício ou vantagem das empresas que trabalham com grafeno ou outros nanomateriais e que investem na busca de soluções de monitoramento de emissões?

É apenas uma boa prática comercial em muitos níveis. Por exemplo, o monitoramento fornece os dados necessários para evitar questões jurídicas que possam colocar em risco a sobrevivência da empresa. Os dados coletados podem ajudar a diminuir os prêmios de seguro, tendo um impacto financeiro positivo direto. Também ser capaz de apresentar aos funcionários dados de que seu ambiente de trabalho é seguro é uma ferramenta valiosa para atrair e reter talentos.

Referências

  1. https://www.statista.com/statistics/1040399/global-market-capitalization-leading-graphene-companies/
  1. OSHA – Occupational Safety and Health Administration. Info sheet: Manufactured nanomaterials in the workplace, 2018. https://osha.europa.eu/en/publications/info-sheet-manufactured-nanomaterials-workplace/view
  1. WHO. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines on protecting workers from potential risks on protecting workers of manufactured nanomaterials, 82 p., 2017.
  1. LENZ, G.; VIANA, C.; DOMINGUES, D.; VIEIRA, F. Risk assessment and health, safety, and environmental management of carbon nanomaterials. 10.5772/intechopen.85485, 2019. https://www.intechopen.com/books/nanomaterials-toxicity-human-health-and-environment/risk-assessment-and-health-safety-and-environmental-management-of-carbon-nanomaterials#B66
  1. ECHA – European Chemicals Agency. Guidance on information requirements and chemical safety assessment Appendix R14-4 Recommendations for nanomaterials applicable to Chapter R.14 Occupational exposure estimation. https://echa.europa.eu/documents/10162/13643/appendix_r14_05-2012_en.pdf/7b2ee1ff-3dc7-4eab-bdc8-6afd8ddf5c8d
  1. DOMINGUES, D. S. Desenvolvimento e avaliação de uma metodologia para caracterização ambiental e laboral de grefeno e grafite em suspensão no ar gerados durante o processamento de esfoliação química. Dissertação (Mestrado em Ciências e Tecnologia das Radiações, Minerais e Materiais) – Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear. Minas Gerais, p. 118, 2019.
  1. VIANA, C. O.; DOMINGUES, D. S. et al. Graphene detection in air: a proposal based on thermogravimetric behaviour. 2019 J. Phys.: Conf. Ser. 1323 012006. https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1742-6596/1323/1/012006

Artigo escrito por Camila de Oliveira Viana em 24/08/2021